Saiu hoje o quarto episódio da série Under The Bridge, transmitida pela plataforma de streaming Hulu. Saiba tudo o que aconteceu em Under The Bridge S01E04 nesse review!
Recapitulação do episódio 3
No episódio anterior de Under The Bridge, ou seja, no episódio 3, vemos que o pai de Reena recebe uma carta oficial da coroa britânica, livrando-se de alguma acusação criminal. Aliás, essa acusação criminal vai servir de motivador para ele ser investigado também. A mãe de Reena vai reconhecer o corpo da garota e fica sabendo pelo legista que ela não sofreu violência sexual, mas também não foi morta no episódio da ponte e sim um pouco depois. Cam e Rebecca acertam suas pendências do passado. Descobrimos que o garoto Warren estava envolvido e dá-se a entender que Kelly provavelmente tem um envolvimento muito maior do que admitiu.
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Review do quarto episódio de Under The Bridge – Under The Bridge S01E04
Um ponto que talvez não tenha sido comentado nos reviews dos episódios anteriores é o quão talentosos são os jovens que estrelam a série Under The Bridge. Claro, temos a ótima Riley Keough e a colossal e brilhante Lily Gladstone, mas é impossível não falar da performance sensacional dos jovens que interpretam os adolescentes da série.
De fato, a performance de todos os jovens ali é tão fluida e ao mesmo tempo exuberante, verdadeira, intensa. Eles dão vida aos personagens de uma forma realmente impressionante. Nota-se que eles deram o seu melhor em cada momento, sendo um dos motivos da série ser tão formidável.
É importante pontuar também que a série, ao contrário do que ocorre com muitas produções sobre true crimes, trata a história real de forma bastante respeitosa, desprovida de sensacionalismos. Under The Bridge busca nobremente se situar como um ponto de reflexão e o direito à memória de quem se foi.
Nesse episódio 4, temos alguns flashbacks. Alguns mais próximos do momento atual da história, outros mais distantes. O episódio fica nesse jogo de memórias, a fim de entendermos mais profundamente as raízes dessa história, conhecermos mais profundamente essas pessoas que fizeram parte dela e entendermos melhor as motivações do crime contra Reena.
Inicialmente, vemos uma bebê Reena recém-nascida e seus respectivos pais intensamente felizes com sua chegada. Na sequência, vemos um voice over de Reena narrando um pouco da história da sua família. Seus avós, recém-chegados da Índia, não foram bem-recebidos pela vizinhança. De fato, na verdade eles foram hostilizados, tendo sua casa pichada e ninguém comparecendo ao aniversário de sua filha (no caso Suman, a mãe de Reena).
Eles acabam sendo acolhidos por testemunhas de Jeová. Ou seja, depois de um bom tempo é que conseguiram minimamente uma inserção naquela sociedade até então tão hostil a eles. Quando Suman já está uma jovem adulta, conhece o jovem Manjit (futuro pai de Reena), em meio a uma espécie de resenha repleta de testemunhas de Jeová a qual foi junto com sua irmã, que conhecia os pais de Suman.
A ideia de Manjit era apenas visitar a irmã, passar ali um tempo. A irmã fala das vantagens e benefícios de estar ali naquela terra, no Canadá, repleta de mais oportunidades, ao ver dela (e de tantos outros que migraram para lá).
Em partes convencido pela irmã e vislumbrado com as supostas possibilidades de novas oportunidades no “Novo Mundo” e também pelo fato de ver o mundo com um olhar demasiadamente positivo e otimista, ele decide ficar, acreditando no “sonho canadense”, acreditando que ali poderia ser o local perfeito para crescer e fazer sua vida.
Quando conhece Suman, ela mesma cita isso, que ele vê o mundo com “lentes cor-de-rosa” e acredita ingenuamente no “conto” da “terra de oportunidades”, onde aquele mundo seria supostamente receptivo, coisa que ela Suman, que está ali há mais tempo e sabe o que seus pais sofreram sabe que não é bem assim.
É interessante que temos aqui um pouco mais da construção não só da história de Reena como um todo, mas da construção da personagem dos pais dela. Fica mais evidente o jeito bastante doce e deveras otimista de Manjit (algo que notamos no contexto mais contemporâneo da história também) e o jeito gentil, porém mais firme, assertivo e pé no chão de Suman.
Manjit, para conseguir se casar com Suman, é forçado, de certa forma, a abrir mão da sua cultura, da sua religião sikh e se converter aos Testemunhas de Jeová. Aqui fica também evidente o quanto grupos minoritários, incluindo aqueles que não se encaixam nos quadros da branquitude, são excluídos e marginalizados. Para serem inseridos, ainda que muitas vezes de forma mal feita e insípida, são forçados a tentarem se encaixar em um determinado perfil almejado pelo discurso dominante. E, mesmo que faça de tudo para se encaixar nesses quadros, ainda assim será marginalizado.
Além desse flashback sobre os avós e pais de Reena, vimos nesse episódio de Under The Bridge um fato que havia sido anunciado no episódio anterior e nesse foi mostrado: a ida do “Crip Mafia Cartel” (Josephine, Kelly e Dusty) a casa de Reena, onde as mesmas foram conhecer os pais de Reena e jantar com eles.
Ao contrário do que a mente preconceituosa delas pudesse imaginar, Reena vive em uma boa casa, grande e aconchegante, com tudo o que seria necessário para viver uma boa vida. Elas pensavam, na mente racista e preconceituosa delas, que Reena pudesse morar em um local menos favorecido economicamente, o que não era o caso.
Reena não é rica e nem nada do tipo, mas possui uma vida bacana. Conforme vão adentrando na casa de Reena, o interesse delas não é e nem nunca foi dar uma chance de conhecer onde ela mora com um interesse positivo e genuíno. Na verdade, sua intenção sempre foi clara: escarnecer de Reena, julgá-la, falar mal.
Elas se surpreendem com o quarto grande de Reena. E, por mais que não admitam, se sentem ressentidas e despeitadas pelo fato de Reena, descendente de imigrantes, de outra etnia, ter uma boa vida.
Um ponto importante é que Kelly não se conforma que “alguém como Reena” possa ter o que tem, como alguém que, no auge de sua mente doentiamente preconceituosa e racista, não achasse que ela tivesse o direito. De todas ali, é a que mais parece se inconformar, ainda mais que Josephine.
Na hora de comer, Manjit falta com um pouco de tato e bom senso e, ainda que munido da melhor das intenções, acaba falando mais do que deve, mesmo com as sinalizações de Reena e Suman. Josephine, que se sente atingida pois não gostou que tenha sido exposto seus problemas (ainda que como forma de mostrar apoio a ela), dá uma resposta grosseira e sai, ao passo que todas em seguidas saem.
Ao fim, nas últimas cenas, mostra o que já desconfiávamos até certo ponto: Manjit é acusado de abusar de Reena, sua própria filha, e vai preso. A própria Reena, em uma tentativa absurdamente desesperada de ser inserida naquele meio social, faz essa falsa denúncia, incentivada por Josephine.
Novamente, vemos como Under The Bridge articula bem as coisas e não deixa pontas soltas, pois, em um dos episódios anteriores, quando Manjit fala com um dos policiais ele diz que “Josephine tem o diabo no corpo”. Isso deixa subentendido que eles souberam posteriormente que Josephine teve sua parcela de culpa nisso.
Esse episódio serviu para confirmar também algo que já tinha sido sublinhado em outros episódios: a motivação para o crime contra Reena não foi uma mera divergência de adolescentes: foi crime de ódio, foi um crime com motivações racistas.
Um ponto interessante é que, no começo e no fim do episódio, no voice over narrativo de Reena, ela cita que “nenhuma história tem começo e nenhuma história tem fim”. Essas palavras de Reena acabam funcionando como uma espécie de fio condutor para nossas reflexões acerca das lições que o episódio quer passar.
Mais do que servir para mostrar que cada um de nós somos um universo vasto e infinito e contamos com toda uma bagagem, uma história que não começa e nem termina em nós, servem igualmente para mostrar que o ciclo de ódio e preconceito tem infelizmente raízes muito mais longínquas e profundas do que pensamos e essa opressão, estrutural, segue ocorrendo. Mas até quando?