
O filme “Emília Perez”, lançado em 2024, tendo sido roteirizado e dirigido por Jacques Audiard. A obra, que conta com uma duração de 2h10, tem em seu elenco a presença de Karla Gascón, Zoe Saldanã, Selena Gomez, entre outros.
Sinopse de Emilia Pérez (2024)
A advogada Rita (Zoe Saldaña) trabalha em um escritório de advocacia “controverso”, mas ganhando não tanto quanto gostaria. Um dia é abordada por Manitas Del Monte (Karla Gascón), para contratá-la, a fim de que ela o ajude e faça todos os arranjos necessários para que possa efetuar a cirurgia de redesignação sexual e arranjar toda a papelada para retificação do nome, entre outras coisas.
As problemáticas de Emília Pérez
Cabe ressaltar aqui que o filme Emília Pérez foi assistido antes do boom de todas as polêmicas e confusões envolvendo o filme e que, de todo modo, foi a própria concepção e construção do filme por si só que contribuiu e muito para essas polêmicas. Dito isso, vamos partir para a crítica do filme. Fica também o alerta de spoilers.
Emília Pérez tem alguns “méritos”, alguns trunfos, ainda que parciais. O primeiro ponto positivo é em termos, ao menos em parte, em certos aspectos da construção do plot, no que diz respeito às reviravoltas e coisas do gênero. Emilia Pérez, em muitos momentos, foge do óbvio, surpreendendo com alguns elementos na narrativa.
Não tem como negar também que a obra consegue manter o espectador curioso, para ver onde a história vai dar. Consegue, de certa forma, prender a atenção do espectador. Vale dizer que a atuação de Karla Gascón e Zoe Saldaña estão interessantes.
Contudo, os pontos positivos, por assim dizer, de Emilia Pérez, para por aí. Um primeiro e relevante ponto a ser abordado é a representação clichê e muito problemática que o filme faz sobre o México. Eles fazem uma representação para lá de estereotipada e preconceituosa do México, sobretudo ao ligar o país, como muitas vezes a indústria cinematográfica o fez e o faz, ao narcotráfico e afins.Elaboram uma visão deturpada do México e do povo mexicano como um todo.
Fica muito evidente, muito palpável o quanto o criador de Emilia Pérez NÃO SABE sobre o México, sobre o povo mexicano e sobre a cultura latina como um todo. Fica explícita, como citou a maravilhosa Isabela Boscov, a preguiça cultural tão frequente entre os europeus e americanos quando se trata de outras regiões.
Mas os problemas envolvendo Emília Pérez não param por aí. É preciso ressaltar o quão insensível e rasa é a abordagem do filme sobre a delicada questão envolvendo os desaparecidos do México por conta do narcotráfico. Aliás, aborda de maneira muito rasa todos os problemas que envolvem essa questão social tão complexa.
Além disso, o descaso do diretor com a cultura Mexicana e latina é tamanha que ele se olvida do fato da diversidade linguística da América Latina hispanohablante. O vocabulário e os “sotaques” presentes no filme parecem desconsiderar essa riqueza cultural. Não houve o menor cuidado e respeito com esse detalhe. Isso, além de ser decorrente de uma falta de preparo e trabalho por parte da produção de Emilia Pérez, se explica pela ausência de atores e atrizes mexicanas. A única atriz mexicana do filme é Adriana Paz.
É importante falar também que o filme procura abordar e tocar em diversas questões, aspectos e assuntos, mas acaba fazendo isso de forma muito superficial, carente de aprofundamento.
Vale destacar também que Emilia Pérez se mostra confuso quanto ao protagonismo. Apesar da protagonista da história ser a Emilia Pérez (Karla Gascón), em todo o filme quem acaba tendo destaque e presença na maioria do tempo é a personagem de Zoe Saldaña. Isso descaracteriza a história e a faz perder seu sentido, seu propósito.
Um dos problemas mais graves de Emilia Pérez é, indubitavelmente, a forma como ele tentou representar pessoas trans e o processo de transição de gênero. A transição de gênero no filme é tratada de forma dicotômica, maniqueísta, onde a protagonista sai de um homem másculo, violento, etc, para uma mulher doce, sensível. Além disso, a figura da pessoa trans é associada a dois discursos problemáticos: a associação de pessoas trans com algo criminoso e a associação de pessoas trans com algo mentiroso, como se fossem pessoas não confiáveis, que estariam escondendo alguma coisa obscura.
Não há aqui como não falar do quão problemático foi o uso da IA, não só no filme num geral, mas também com relação a Karla Sofía Gascón. Foi usado inteligência artificial na voz de Karla, com o objetivo de “””feminilizar””’ a voz da atriz, que é uma mulher trans, dando a entender assim, na visão preconceituosa e distorcida deles, que a voz de uma mulher trans não é vista como sendo feminina o bastante.
E o que falar das cenas musicais em si? Muitas das cenas musicais do filme foram totalmente despropositadas, desconexas, sendo introduzidas em momentos que não tinham o menor sentido, o que acabava fazendo com que toda a suposta emoção a ser evocada no espectador se perdesse, atrapalhando a experiência.
Um último ponto a ser falado aqui é quanto ao final do filme, onde a personagem Emilia Pérez acaba morrendo e, posteriormente, concluindo seu processo de “redenção”, sendo literalmente santificada. Essa cena final é destoante e desprovida de qualquer sentido, não se justificando na narrativa. Ainda que a personagem tenha buscado, de certa forma, corrigir seus erros passados, a narrativa não teve uma construção no decorrer do tempo que justificasse uma “santificação”.
Emília Pérez é uma obra que se torna um exemplo cabal do que não faze e como não representar determinados povos e determinados grupos.