Jane Hudson é uma artista que ganhou destaque na infância sob o nome de Baby Jane. Após um incidente traumático, ela foi relegada ao esquecimento e, agora adulta, leva uma vida reclusa na residência compartilhada com sua irmã, Blanche. Determinada a retornar aos holofotes, a atriz se empenhará em reviver o papel que a consagrou, mesmo que isso signifique prejudicar aqueles mais próximos a ela.

Suspense psicológico de altíssima qualidade

What Ever Happened to Baby Jane é, sem sombra de dúvida, um verdadeiro clássico do cinema, uma daquelas obras atemporais, capazes de despertar a atenção, o interesse e toda uma avalanche de sentimentos em quem o assiste. É impossível passar incólume pela obra, que é extremamente competente no tocante a despertar um turbilhão de emoções, sentimentos e sensações nos espectadores.

A obra consegue prender o espectador do início ao fim, mantendo toda a sua qualidade em toda a sua extensão, em toda a sua duração. Não há altos e baixos no filme. Na verdade, há um crescente, onde o nível se eleva cada vez mais, fazendo com que ela mostre ainda mais complexidade e qualidade conforme o tempo vai passando.

Desde os anos 1930, quando surgiu o chamado “Star system”, o público exibia um particular apreço pelos filmes que eram lançados, além de gostarem do filme em si. Beneficiando-se desse contexto, criar um filme onde além de inserir duas atrizes renomadas e famosíssimas como Bette Davis e Joan Crawford, explorava a tensa e duradoura rivalidade entre as duas atrizes, poderia ser uma certeira receita para o sucesso. E realmente foi. Além de ser aclamado pela crítica, foi um sucesso de público. Aliás, até hoje conquista espectadores.

Bette Davis e Joan Crawford, conforme foi citado, nutriam uma rivalidade das mais acirradas há décadas e que era pública, era amplamente conhecida. À época, ambas estavam com a carreira um bocado em baixa – afinal, infelizmente não é de agora que Hollywood é especialmente cruel com as mulheres mais velhas.

Na tentativa (que se verificará bem sucedida) de se dar um novo fôlego à sua carreira, Joan Crawford idealiza o filme e convence o realizador Robert Aldrich e fazê-lo. Mais do que isso, ela ainda ressalta que quer que sua grande rival Bette Davis participe do filme como protagonista, fazendo uma das duas personagens principais. Essa tensão entre as duas poderia vir muito a calhar com as personagens, que são duas irmãs que estão em constante conflito.

E deu muito certo. É para lá de visível a química entre as duas atrizes, as coisas entre elas ali funcionam de maneira natural e orgânica, a despeito de toda a dificuldade que foi filma a obra, concomitantemente. Todas as cenas nas quais elas interagem fluem de maneira espetacular.

Terror psicológico, a tensão, o desconforto, a angústia e o medo, tudo vai aumentando progressivamente ali, deixando-nos cada vez mais envolvidos, cada vez mais imersos, cada vez mais mergulhando na experiência, apreensivos com o que pode ocorrer.

O filme começa com Baby Jane criança, que era uma artista infantil de sucesso, com direito a uma boneca sua sendo comercializada. Ao contrário do que parecia nos palcos, onde ela mostrava ser uma criança supostamente doce e amável, era bastante mimada, egoísta e problemática, aquela típica garota metida e insuportável. Os pais também acabavam sendo permissivos, ainda mais pelo fato do trabalho da filha ser lucrativo.

A mãe das crianças fala que um dia Blanche não deverá esquecer da irmã e ajudá-la. Ressentida, ela diz que não esquecerá do que a irmã faz com ela (guarde essa informação).  Posteriormente, Blanche adentra para a carreira do cinema, tornando-se uma atriz de sucesso, ao passo em que sua irmã decai vertiginosamente, perdendo fama e prestígio. O jogo virou e a verdadeira estrela agora é Blanche, ainda mais do que Baby Jane foi. Mas Blanche impõe uma condição: só assinará contratos para trabalhos se também chamarem a irmã para outros trabalhos, cumprindo assim a “promessa” que fez à mãe de cuidar da irmã.

Entretanto, um acidente ocorre. Por conta dele, Blanche fica paraplégica e agora sua irmã Baby Jane, cuja carreira já tinha ido para o ralo, será obrigada a ficar cuidando da irmã, que teve a carreira interrompida por conta do tal acidente. Jane leva a culpa pelo acidente e, juntando o fato da carreira acabada com o dever de cuidar da irmã, se torna uma pessoa amargurada e perturbada, além de alcóolatra.

Elas passam a viver trancafiadas no casarão, saindo para quase nada e quase nunca interagindo com ninguém. E a única pessoa que eventualmente aparece ali é uma doméstica, que limpa a casa e eventuais entregadores.

Tensão, angústia e terror

De fato, o que começa como uma aparente e “leve” rusga entre irmãs vai evoluindo de tal forma, com tal intensidade, que o clímax da obra é de uma tensão absurda. As maldades de Baby Jane vão crescendo de forma vertiginosa, começando com meros desaforo, descambando para uma situação de agressão e também de abandono e negligência.

Ambas as personagens são muito bem trabalhadas, especialmente a Baby Jane, personagem de Davis. Blanche, personagem de Crawford, também é bem trabalhada, ainda que menos do que a de davis. Essa é uma pequena crítica, aliás: seria interessante trabalhar um pouco mais a personagem de Blanche, pois enriqueceria ainda mais a narrativa e traria ainda mais densidade e complexidade. A relação entre as duas irmãs também é muito bem desenvolvida, como deveria ser, mostrando as nuances, as camadas.

Jane chega ao extremo de deixar a irmã presa, com a boca tapada, sem comer, enfim, sem cuidado algum, praticamente abandonada. Jane tentou pedir ajuda, mas sem sucesso. A doméstica, desconfiada por ter sido dispensada em determinado ponto e sabendo como Jane é, entra no casarão, mas Jane chega e a mata.

Além disso, Jane aplica golpe na própria irmã, falsificando sua assinatura para pegar o dinheiro dela no banco, o qual usa para sustentar seu vício e retomar sua carreira. Ela acaba acidentalmente sendo descoberta e denunciada. Com medo de ser presa, parte com Blanche em fuga, para uma praia, já completamente ensandecida e com um Blanche extremamente doente e debilitada, quase morrendo.

What Ever Happened não dá 100% de tudo de mão beijada e nem sempre deixa tudo devidamente explicitado. Com efeito, ficam alguns mistérios e dúvidas suspensos, incrementando mais ainda a narrativa e a trama.

Vale dizer, por fim, que What Ever Happened to Baby Jane é bastante ambíguo. Ainda que, em uma das cenas finais, Blanche supostamente confesse que o acidente não foi culpa de Jane, que ela forjou a culpa da irmã para que a mesma se sentisse mal e por conseguinte acabasse enlouquecendo, não me parece que seja verdadeiramente isso. Ao meu ver, constitui-se muito mais em um jogo de palavras para tentar convencer a irmã a levá-la a um hospital e buscar ajuda para ela e não que ela tenha sido má também.

É um filme que com certeza vale ser visto e revisto.