O filme “Tár”, dirigido por Todd Field foi lançado no dia 26 de janeiro desse ano. Tendo a maravilhosa atriz Cate Blanchett no papel principal, o elenco conta também com a presença de Nina Hoss, Noémie Merlant, Sophie Kauer e Alec Baldwin. A obra possui 2h38 min de duração. Saiba mais sobre o filme aqui no Cinemarte.
Sinopse de Tár
O filme conta a história da maestrina e compositora Lydia Tár, que figura como a primeira mulher a dirigir a Orquestra Filarmônica de Berlim. Seu talento e pioneirismo fazem dela renomadíssima, fazendo a liderar uma área onde a presença masculina é preponderante. Lydya, com seu jeito difícil e manipulador, busca controlar sua orquestra de maneira voraz. Contudo, segredos sujos envolvendo sua pessoa ameaçam vir à tona.
Tár e a cultura do cancelamento
A obra possui uma narrativa muito bem construída e elaborada, com um roteiro rico, denso e complexo. Não só isso, mas também um bom trabalho de direção, aliados a atuação magnífica de Cate Blanchet, no papel de Lydya Tár, chegam a fazer muitos espectadores se questionarem se a personagem realmente existiu ou não.
A nível de esclarecimento, não, o filme não se baseia em fatos reais, trata-se de uma personagem fictícia. Mas isso certamente não tira o mérito da obra. Aliás, o filme serve como um bom exemplo de como se construir uma biografia e afins de respeito.
É claro que não pode se deixar de falar da atuação fenomenal de Cate Blanchet. Essa é, sem sombra de dúvidas, a melhor atuação de sua brilhante carreira, o que inegavelmente faz dela uma merecida favorita para o Oscar de Melhor Atriz.
Lydya Tár é uma personagem complexa. Em um primeiro momento, é praticamente impossível não se deixar levar pela sua genialidade, pelo seu brilhantismo. Somos fascinados, em uma primeira instância, a nutrir uma admiração por ela, devido aos sacrifícios que fez para chegar onde chegou e conquistar tudo aquilo que conquistou. Digo mais, Lydia tem seu charme peculiar, além de ser uma pessoa inteligente e interessantíssima.
Entretanto, no decorrer da narrativa, vamos perdendo um pouco o deslumbre com a personagem e percebendo o quão autoritária, egóica, intimidadora e controladora ela efetivamente é.
A personagem é repleta de nuances, não só em termos de atributos, de características pessoais, mas de atitudes, de falas, de pensamentos, de ações. Lydia Tár exerce seu poder e controle de maneira capciosa, mesclando momentos em que é dura, em que pega pesado, em que beira o narcisismo, com momentos em que ela tenta apaziguar, afagar, por panos quentes.
Em uma cena bastante emblemática, que serve quase como um prelúdio do que está por vir, onde Lydia rebate os argumentos de um aluno seu que afirma não gostar de Bach por ele ser misógino, Lydia usa argumentos deveras problemáticos, buscando “justificar” porque se deve apreciar Bach mesmo ele tendo sido machista e misógino.
Uma primeira reflexão que fica nessa cena é: será que é possível separar o artista da obra, inclusive quando ele comete discursos e atos de ódio ou até mesmo crime? Existe um limite de até onde se pode ser “complacente” e onde permanecer apoiando um artista que cometeu algo terrível também se torna problemático e perigosamente conivente?
A própria Lydia Tár vai passar posteriormente por uma situação onde, primeiramente, tem sua fala problemática justificando Bach exposta na internet e recebendo uma enxurrada de críticas e depois onde ela sofre uma acusação de assédio. Devido a gravidade da acusação, ela deixa de receber apoio, perde seu posto na Filarmônica e vai para outro país, onde talvez seja menos conhecida e possa se recuperar profissionalmente.
Tár mostra o quão complexa e complica é a cultura do cancelamento e os impactos negativos que ela pode causar. Por outro lado, nos faz refletir também se a serventia da cultura do cancelamento em um mundo onde pessoas em posição de poder e privilégio não seriam normalmente punidas por seus atos escusos e o “cancelamento” seria uma maneira de tenta-los fazer pagar por aquilo que a Justiça comum muitas vezes não logra.