Os Irmãos de Leila (Leila’s Brothers) é um filme de drama iraniano, com 2h45 de duração, lançado em 2023. Ele foi escrito, dirigido e co-produzido por Saeed Roustayi. No elenco, há a presença de Taraneh Alidoosti, Navid Mohammadzadeh, Saeed Poursamimi e Payman Maadi. Em abril do ano passado, a obra chegou a ser selecionada para concorrer à Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes de 2022. Saiba mais aqui no Cinemarte.

Sinopse de Os Irmãos de Leila (Leila’s Brothers) 2022

Com seus 40 anos, Leila dedicou praticamente toda a sua vida a cuidar dos seus pais e também dos seus 4 irmãos. A família, que se encontra em uma constante dificuldade financeira e atolada em dívidas, vive tendo brigas e discussões, tudo isso em um país (o Irã) profundamente afetado pelas várias sanções internacionais. Um dia, Leila tem uma ideia: os irmãos abrirem uma loja, para que todos possam ter uma atividade e tenham condições de se sustentar e mudar de vida. No entanto, descobrem um segredo que o pai manteve guardado e que vai utilizá-lo como presente para se tornar o patriarca da família.

Um drama para ninguém botar defeito

Os Irmãos de Leila é, sem sombra de dúvida, um filme para lá de incrível, impecável e muitíssimo bem feito, nos seus mais variados aspectos.  A obra caminha com tanta desenvoltura e desembaraço que não se sentem suas 2h45 min. Ela nos prende do início ao fim, nos mantém interessados não apenas no plot principal, mas também em todos os outros.

Há muitas maneiras de se contar uma história e isso inclui histórias que envolvem, direta ou indiretamente, acontecimentos reais, como é o caso em Os Irmãos de Leila, onde o filme tem como pano de fundo as duras sanções sofridas pelo Irã e os problemas envolvendo o acordo nuclear, além de problemas sofridos no contexto interno.

Aliás, um dos trunfos mais surpreendentes e aprazíveis do filme é justamente trabalhar esse cenário externo e interno complicado e difícil de uma maneira diferente da esperada. Com efeito, Os Irmãos de Leila não se prende tanto ao aspecto macro dessa conjuntura, mas em um sentido mais “micro”, em como esses acontecimentos todos afetam a população, como a vida das pessoas é impactada com tudo isso.

E a obra faz isso com uma sutileza, no sentido de conseguir mostrar esse intrincado contexto sem cair no didatismo, sem resvalar no banal e no sensacionalista.

Além disso, outra coisa que é trabalhada de forma eficiente e sagaz é a questão da disparidade de classes. O núcleo familiar ali de Leila encontra-se em uma situação de pobreza e essas disparidades sociais ficam evidentes, por exemplo, quando se mostra o pai em contato com outros integrantes masculinos da família, em condições econômicas melhores, mais privilegiadas.

Evidencia-se também em outros momentos e locais ali. Enquanto uns podem se dar ao luxo de comer do bom e do melhor, das festas, fornecer presentes caros e gastar, Leila e seus irmãos precisam se virar nos 30 para tentar bancar as contas e se alimentar.

Vale a pena ainda destacar a questão de gênero presente em Os Irmãos de Leila. Em um sociedade patriarcal, machista e misógina (como tantas outras de tantos outros lugares) acaba ficando nas costas da mulher o papel do cuidar, do zelar, do pensar no bem estar de todos. Ela acaba sendo compelida a ajudar os irmãos, não bastando ter que dar conta de cuidar dos pais, realizar os afazeres domésticos e trabalhar fora (a famosa dupla jornada que muitas mulheres são submetidas).

Os homens são muitas vezes colocados como os “cabeças da casa”, mas a realidade é que em muitos lares, muitas famílias, quem tem que pensar em tudo, organizar tudo, coordenar tudo, seja pela falta de competência masculina, seja pela falta de vontade mesmo é a mulher e é o que ocorre em Os Irmãos de Leila.

Leila não é apenas a mais realista, pé no chão e pragmática daquele núcleo familiar. É também a mais sensata, a mais perspicaz. É ela que tenta articular tudo pelo bem da família, é ela a única com emprego estável, é ela quem não somente é inteligente em ler as pessoas, o ambiente familiar e os problemas de todos e de tudo, mas também aquela que tem a firmeza e atitude necessária para verbalizar isso, para se posicionar e agir.

O pai deles comprou escondido 40 moedas de ouro e as guardou, como um bem. Tantas agruras e perrengues viu os filhos passarem para sustentar a casa, mas se manteve teimoso e avarento, pensando somente em si. Não bastasse isso, pretendia usar as 40 moedas para dar de presente de casamento e assim ser elencado como o patriarca da família, uma grande honraria na tradição cultural iraniana. Esse valor podia ser revertido para ajudar os filhos a adquirir a almejada loja, mas o idoso preferiu se importar com status.

Os Irmãos de Leila aborda, como pode ser observado, a complexa e muitas vezes problemática dinâmica familiar. A obra desconstrói aquela visão idealizada de que os pais e mães são pessoas abnegadas, que pensam unicamente nos filhos e na família. O idoso ainda procurou, em vários momentos, sejam anteriores, seja no presente, fazer coisas para prejudicar os filhos, para subjugá-los.

Os Irmãos de Leila é um filme doído, triste, sem final feliz, sem solução para os envolvidos. É um filme sobre como o peso da realidade interna e externa de um país pode esmagar seu povo, principalmente os mais pobres. É uma obra sobre como o ambiente familiar pode ser recheado de problemáticas.