O filme brasileiro “Carvão” foi lançado no ano de 2022. Escrito e dirigido por Carolina Markowicz, o longa-metragem conta com uma duração de 107 minutos. No elenco, há a presença de Maeve Jenkings, Rômulo Braga, Jean de Almeida Costa, Camila Márdila, Aline Marta Maia e Pedro Wagner. Saiba mais aqui no Cinemarte!
Sinopse do filme “Carvão” (2022)
A normalização do absurdo
É interessante a crueza com a qual Carolina Markowicz trabalha os personagens na obra “Carvão”. Aqui não há espaço para romantizações, idealizações, nem amenidades. Diferentemente de muitos filmes onde há uma certa romantização do campo e de quem vive nele, em “Carvão” isso funciona de forma diferente.
É claro que não se pode e não se deve brutalizar e fazer o oposto da romantização, que seria colocar uma excessiva e preconceituosa carga pejorativa nessa população. Uma das coisas que faz “Carvão” interessante é mostrar as coisas tal como elas podem ser com seus inúmeros tons de cinza, fugindo do esquema ortodoxamente maniqueísta e moralista. A obra mostra que ser “bom” ou “mau” não é exclusividade de nenhuma categoria social.
Aliás, tanto o bem, quanto o mal não são elementos naturais. Pelo contrário: são coisas construídas, desenvolvidas no meio social. Nada é naturalizado. Mas um ponto de reflexão que “Carvão” acaba levantando, direta ou indiretamente, é se o mal e a perversidade decorrem de questões que vão acontecendo ao longo da vida, mas as pessoas reprimem esse lado, à espreita, ainda que inconsciente, de algo que o traga a tona ou se ele é trazido de fora, no caso do contexto do filme estimulado pela corrupção da agente de saúde que visita a casa.
O filme se passa quase o tempo todo na casa, com apenas algumas cenas aqui e acolá na escola do garoto ou no centro da pequena cidade. É um ambiente e uma atmosfera sufocante, claustrofóbica, limitada, servindo para ilustrar a vida recheada de limitações, restrições e repressão.
Um ponto importante é que a obra “Carvão” mostra essa questão da sobrecarga feminina. Além de trabalhar e ajudar no sustento da família, tem os afazeres domésticos e trato dos animais, além do filho e dos cuidados com o pai doente. O marido, ao menos até onde é possível entender, não trabalha tanto quanto seria almejado, o que só aumenta a sobrecarga de Irene. Isso serve perfeitamente para ilustrar e reforçar questões envolvendo o machismo da nossa sociedade patriarcal.
Mas mesmo Jairo não está isento de questões complexas. Como fica evidenciado em dado momento do filme, Jairo é um homem LGBT (não dá para afirmar se ele é homossexual ou bissexual) e tem um caso com o amigo, mas reprime sua orientação sexual. Muito frustrado por conta dessa repressão, acaba descontando isso no modo como trata a sua esposa e mesmo o seu filho.
Outro aspecto interessante é que a protagonista, numa atitude ambígua em saber se a decisão de sacrificar o pai é certa ou errada. Fica ambígua não só pela angústia da personagem diante do calibre de tal decisão, mas dentro da perspectiva da narrativa: estaria ela realmente receosa de cometer tal ato ou ela estaria apenas buscando um viés de confirmação através da religião? Fica aí o questionamento.
Mesmo com a decisão de sacrificar o idoso tomada, a família ali segue sua vida normalmente, aparentemente sem remorso aparente, sem sofrimento emocional aparente. A perversidade é naturalizada e uma vida que é considerada inválida ali, direta ou indiretamente, é descartada, repito, sem maiores cerimônias. Essa normalização do absurdo é reforçada quando Jean visita a casa do amigo Will e fica claro ali que Luciana (interpretada por Camila Márdila), ao repreender Jean por tentar olhar a idosa mãe dela pela janela fechada, também aderiu ao esquema corrupto.
O filme “Carvão” se arrasta um pouco em determinado momento, poderia ter uns 15 minutos a menos, mas é uma obra excelente, que vale a pena não só pela qualidade da história e desenvolvimento, mas pela atuação incrível principalmente de Maeve Jenkings.