Onde Fica a Casa do Meu Amigo? (1987) – Crítica do filme

O filme “Onde Fica A Casa do Meu Amigo?” foi lançado em fevereiro de 1987, tendo 1h23min de duração. Contando com a direção do espetacular Abbas Kiarostami, ele tem no elenco a presença de Babek Ahmad Poor, Ahmed Ahmed Poor e Kheda Barech Defai. Saiba mais aqui no Cinemarte.

onde fica a casa do meu amigo
Créditos da imagem: Letterboxd/Reprodução

Sinopse de “Onde Fica A Casa do Meu Amigo?”

Ahmad (Babek Ahmed Poor), um jovem de 8 anos, acabou por engano com o caderno de Mohammad (Ahmed Ahmed Poor), seu colega da escola. Com o seu amigo sob a sombra da expulsão caso não apresentasse a tarefa de casa, Ahmad encontra-se na obrigação de restituir-lhe o caderno. Essa empreitada, porém, significa enfrentar a desaprovação materna e empreender uma busca pelo distante vilarejo onde Mohammad reside.

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Quando as crianças são realmente o futuro

Cinema é poesia, proporciona uma experiência poética. Alguns filmes, mais do que outros, são carregados de poesia, no sentido amplo e aberto da palavra e esse é o caso da obra em questão, Onde Fica A Casa do Meu Amigo. Aqui mais uma vez o aclamado cineasta iraniano Abbas Kiarostami, com toda a sua maestria, mostra como aquilo que parece ser supostamente simples é carregado de complexidade e poesia.

Em Onde Fica a Casa Do Meu Amigo mostra a vida cotidiana no interior do Irã, em uma série de pequenas vilas. São diversas cenas triviais do cotidiano, mas que são exibidas com uma perspectiva diferenciada, com um olhar mais poético, carregado de experiência pessoal e conectado com o mundo infantil.

Onde Fica A Casa do Meu Amigo é obviamente uma obra de ficção, mas recheada de elementos existentes na vida real. Tudo que ali ocorre é inteiramente plausível e observado na realidade: uma vida com muitas privações, a dominação dos adultos sobre as crianças, as relações de poder existentes entre pais e filhos e entre professor e aluno. Aliás, não só isso, mas também as relações de poder entre membros adultos de uma família ou comunidade e as crianças que vivem nela.

A obra mostra uma sublime relação de amizade, parceria e cumplicidade entre dois garotinhos. O professor da escolinha deles, muito rígido, exige que eles façam as tarefas e levem sempre seus cadernos, para efetuar as correções. Mohammed esqueceu seu caderno (na verdade estava com o primo dele e ele não sabia) por supostamente ter “pisado na bola” outras vezes, segundo o professor e recebe a “ameaça” de que se não trouxer o caderno na próxima, será expulso. Após a aula, ao chegar em casa, Ahmed, amigo de Mohammed, percebe que pega o caderno do amigo por engano. A mãe não permite que ele saia para entregar o caderno. Temendo que o amigo possa ter problemas com isso e fique sem escola, ele decide sair escondido para a casa do amigo para entregar o caderno.

A história de Onde Fica A Casa Do Meu Amigo é bastante simples, mas a forma em que ela é contada, a habilidade que ela consegue ter para apreender e falar sobre a infância, sobre a fragilidade e vulnerabilidade desta etapa da vida, sobretudo em um mundo onde os adultos são o centro de tudo e carecem de maior consideração real pela criança é deslumbrante.

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Nesse mundo adultocêntrico, o lugar da criança acaba sendo o da subserviência, o da submissão. As crianças muitas vezes não recebem a devida atenção, não são ouvidas de fato. Isso é bem reforçado no filme em diversos momentos, quando o pequeno Ahmed fala por diversas vezes com diferentes adultos, mas ninguém parece ouvi-lo e tampouco se importar com o que ele tem a dizer, com o que ele quer e o que ele precisa, com o que ele sente.

A narrativa é construída de forma a colocar em evidência, em primeiro plano o universo das crianças. A despeito de muitas vezes serem deixadas de lado e de certa forma menosprezadas, elas também participam da sociedade, elas também fazem parte da cultura. A sociabilidade ocorre não apenas entre elas, mas também entre elas e os adultos, mostrando que elas tem sim um importante papel social e cultural e participam na cultura e na sociedade como um todo.

A questão da educação familiar/social em Onde Fica A Casa Do Meu Amigo é explicitada também, mostrando o quanto certas atitudes que seriam rechaçadas se fossem cometidas com outros adultos são naturalizadas infelizmente quando se trata de crianças. Isso sem falar também em outras questões sociais que acabam atingindo não só os adultos, mas também as crianças. Afinal, muitos dos garotinhos ali são obrigados a ajudar em casa, ajudar os seus pais, o que muitas vezes acaba prejudicando sua vida escolar e em geral.

A criança nessa sociedade iraniana tradicional é quase invisibilizada e quando finalmente é notada, ela o é para figurar num espaço de subserviência aos adultos, fazendo o que eles querem, o que eles mandam, o que eles acham que é certo.

Não há afeto na relação entre adultos e crianças em Onde Fica A Casa Do Meu Amigo. O que elas recebem são tarefas e ordens. Não há escuta, não há compreensão, não há acolhimento. As crianças ali só vão receber afeto, só vão desfrutar de parceria e só vão ser realmente ouvidas ao estarem entre elas.

A educação, seja a escolar ou a familiar/social, nesse perspectiva, é carregada de protocolos, de regras rígidas e óticas engessadas, que não param para fazer uma auto crítica e repensar se fazem sentido, se realmente servem para o bem da criança. Os adultos são tremendamente arrogantes, se considerando mais importantes do que as crianças, colocando suas formas de ser, pensar e agir como se fossem melhores que a dos pequenos.

Onde Fica A Casa Do Meu Amigo é uma jornada épica do nosso pequeno herói iraniano, que movido pela compaixão e solidariedade a uma amizade, acaba realizando trajetos repletos de “aventuras”, de percalços. Esse pequeno “Ulisses” vai se descobrindo, crescendo e amadurecendo ao longo do caminho, passando por um processo de transformação. É no decorrer desse caminho e por tudo o que ele vivencia ali nesse processo que ele descobre e encontra maneiras de burlar esse mundo adultocêntrico. Ele encontra maneiras de fazer o que precisa e subverter ao menos em partes as regras impostas às crianças por essa sociedade.

 

Créditos: Parte dessa crítica foi possível de ser elaborada/aprofundada por meio da leitura do excelente trabalho “Onde fica a casa do meu amigo” : agência e agenciamento de objetos no filme de Abbas Kiarostami”, de Marília Milhomem Moscoso Maia e Martina Ahlert.

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Redatora web há 7 anos. Faço parte da equipe de redação do Cinemarte, escrevendo reviews das séries e filmes que assisto!

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