Você Não Estará Só (2022) – Crítica do filme

O filme “Você Não Estará Só” foi lançado em 14 de abril de 2022, tendo sido dirigido por Goran Stolevski. O elenco conta com a presença de Noomi Rapace, Alice Englert, Sara Klimoska e Anamaria Marinca. Saiba mais aqui no Cinemarte.

Sinopse de “Você Não Estará Só” (2022)

Na Macedônia do século 19, uma jovem é sequestrada e depois transformada em uma bruxa por um espírito antigo. Curiosa sobre a vida humana, a bruxa acidentalmente mata um camponês na aldeia vizinha e depois assume a forma de sua vítima para viver em sua pele. Sua curiosidade então acende, e ela decide continuar a exercer esse poder terrível para entender o que significa ser humano.

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Existencialismo, machismo e…ambivalência

(ATENÇÃO! MUITOS SPOILERS A PARTIR DAQUI)

O filme “Você Não Estará Só” (do original You Won’t be Alone) é um filme de terror, porém um filme de terror diferente. Não há sustos, jumpscares, nem nada do tipo. Apesar de contar com a conhecidíssima e utilizadíssima figura da bruxa, a obra o faz de um modo diferente. Podemos definir Você Não Estará Só como um terror do tipo existencialista.

Sim. Um dos elementos que permeia todo o filme são vários dos questionamentos existenciais que muitas vezes temos no decorrer da vida (ou por toda a vida), como: quem somos? Estamos sozinhos? Qual nosso propósito? Existe um propósito? Qual a razão de estar vivo? A vida possui um sentido? Por que estamos aqui? Que escolhas fazer? As escolhas que fizemos foram as certas? Para onde vamos?

A personagem principal experimenta o tudo e o nada. O ser e o ser. O lugar e o não lugar. Ela vive diferentes experiências, distintos modos de ser no mundo, busca procurar seu lugar no mundo, na vida. Ela, enfim, caminha em busca da própria existência, de sua presença no mundo.

Você Não Estará Só não aborda apenas questões existenciais e filosóficas, mas também faz uma uma série de críticas sociais.  No início do filme, por exemplo, após a mãe oferecer ceder a filha para a bruxa quando ela fizer 16 anos, como uma barganha para deixar a criança viva, sob a desculpa da proteção ela leva a filha para uma caverna fechada e escondida do mundo, deixando-a lá isolada de tudo e de todos, volta e meio indo lá para cuidá-la, mas ainda assim deixando-a sozinha.

Trata-se de uma explícita alegoria da criação repressora e alienada, que oprime, que sufoca, que rouba da pessoa preciosas experiências, que a priva de viver de forma plena. Além disso, inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, a ausência da figura materna/paterna ocorrerá e esse ser que devia ser devidamente preparado para o mundo, se vê desprovido muitas vezes de competências para lidar com a vida, o que a fará penar mais do que o seria “necessário”.

Tanto é inescapável o enfrentamento do mundo que, quando a jovem faz 16 anos, ainda que a mãe tenha tentado esconder a jovem, a bruxa as encontra e o destino será impreterivelmente cumprido. Aqui, mais uma vez, é tecida uma crítica a criação superprotetora, repressiva e alienada que os pais muitas vezes impõe aos filhos.

Contudo, as coisas não melhoram muito para a jovem quando parte com a bruxa. Apesar de agora supostamente ser mais livre, foi forçadamente transformada em bruxa também.

Em ambos os contexto, ela é tratada como se fosse uma posse. Isso é uma referência, conforme já citado, às atitudes repressivas que os pais tem especialmente com as filhas, tendo contra ela atitudes de reclusão, repressão, agressão e assim por diante.

Ao longo do filme, devido às suas habilidades mágicas como bruxa, a jovem pode se apossar do corpo da pessoa, transformando-se nela. A partir disso, a pessoa “possuída” deixa de existir, tendo sua “carcaça” servindo como receptáculo da bruxa. É só o corpo que está ali, idêntico. Por dentro, existe tão somente a bruxa.

Com isso, ela pode experimentar diferentes formas de ser, fazer e viver. Ela ora se torna mulher, ora se transforma em homem, ora se transforma em criança, ora se transforma em animal. É assim, sob diferentes formas e óticas que ela vai conhecendo o mundo, conhecendo a si mesma, aprendendo sobre as pessoas, a vida, a sociedade, enfim, sobre o mundo que a cerca, o mundo em que vive.

Você Não Estará só é também uma jornada sobre o amadurecimento, sobre crescer, mudar, evoluir. É sobre encontrar sua razão na existência, é realizar uma empreitada rumo a se tornar sujeito de si. A despeito de ter sido uma trajetória bem longe de cíclica ou linear, a obra nos deixa com a sensação de finalização, pois a personagem principal viveu tudo que tinha para viver, por assim dizer.

Mas há críticas duras a se fazer a Você Não Estará Só. Apesar do filme, por um lado, tecer algumas críticas sociais, falando sobre o machismo e misoginia, sobre o patriarcado, sobre repressão e opressão, ele acaba escorregando por vezes na mensagem, pelo fato de, a despeito das suas críticas sociais, acabar reproduzindo lugares-comuns sobre a mulher.

Há, de certa maneira, uma obsessão com a maternidade. Certamente que a maternidade faz parte muitas vezes do feminino, mas está longe de ser o fim da jornada de uma mulher, tampouco a razão da sua existência. Pessoas não são uma posse nossa e muito menos são objeto em nossa busca por sentido na nossa própria vida.

Aliás, é possível observar o resultado disso pela figura da mãe e da mãe-bruxa, pois ambas são terríveis com a menina, justamente por ter esse tipo de relação de posse, de controle, de domínio. Em ambos os contextos, quando a jovem começa a tomar decisões mais significativas sobre sua vida, ela é agredida, sofre represálias, tal qual as relações parentais na vida real, que ruinam quando os filhos tomam uma direção divergente daquela que os pais tentam impor.

As relações parentais são inúmeras vezes baseadas nesse princípio egoísta, que frequentemente gera indivíduos e famílias disfuncionais. A razão, frequentemente, não é criar alguém, criar aquele ser para o mundo, é colocar aquela pessoa como A RAZÃO de ser da sua existência e, como ele é visto como uma extensão sua, por ser sua razão de existir, quando tem ações próprias de um indivíduo integro por si, vira um problema para esses pais. É o que acontece em praticamente toda a obra.

Você Não Estará Só tenta fugir de uma possível normatividade, mas o que ele acaba fazendo é justamente consolidar esse paradigma de da maternidade e do casamento. Ainda que evidencie várias problemáticas sociais, o filme reforça o discurso dominante e normativo da obrigatoriedade do casamento e da maternidade; a personagem só se encontra finalmente ali quando casa e tem filhos, acaba se tornando sua razão de ser, o sentido de sua vida.

O filme, ainda que escorregue em alguns aspectos, é excelente e vale a reflexão.

1 Review ( 8 out of 10 )

Aline - aline.cavalcante.ludovico@gmail.com
8

Você não estará só

Entendo seu ponto, mas mais forte do que o estereótipo, são as outras importantíssimas mensagens do filme. Eu já entendo que o crescimento da personagem, que encontrou o amor, que entendeu que fazer de sua filha uma bruxa também e de forma simples, ou seja, aceitando sua descendência, foram os pontos altos desse filme.

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Redatora web há 7 anos. Faço parte da equipe de redação do Cinemarte, escrevendo reviews das séries e filmes que assisto!

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